A Janela Aberta
Não me bastava olhar o horizonte. O horizonte azul de outono ao entardecer... A solidão aos poucos tomava conta de mim na mesma proporção que o sono, à noite, haveria de envolver meu corpo. E o horizonte ali, parado, num silencio inquisidor, acusando-me pelos erros que cometi, erros que, por certo, eu viria a comete-los novamente. Não me bastava, porém, apenas olhar para o horizonte. O que eu queria era desesperadamente mergulhar dentro daquele horizonte como se mergulhasse num mar calmo, azul e calmo, azul e indecifrável, convidativo, misterioso, mas azul... Lembrava-me de coisas que eu não queria me lembrar e buscava em minha mente lembranças de momentos que, por algum motivo, eu não conseguia me lembrar... Talvez, quem sabe, a vida não pudesse, ou não quisesse me dar como premio a capacidade de recordar-me dos meus momentos felizes... Talvez, até, nem houvessem momentos felizes em meu passado... Talvez, talvez, talvez, quem sabe? A noite devorou-me completamente. Devorou também todas as minhas lembranças, todos os meus desejos, meus medos e segredos, lucidez de pensamentos e adormeceu-me profundamente, e mesmo que eu não quisesse, ainda assim, à noite, o poder e a magia do sono me devorariam, e adormeceriam-me irremediavelmente... E adormeci. Mas, deixei a Janela Aberta. Sim, deixei a janela aberta. (Esqueci?) A Janela Aberta! E de repente apareceu você. Você com seus segredos, desejos, seus medos, clara e transparente e luminosa imagem á minha frente, flutuando no ar feito nuvem que desceu do Céu. Do Céu das minhas lembranças, agora, transformadas em sonhos. E eu nem sabia mais se o horizonte ainda estava azul como antes, e nem me preocupava com a janela aberta. Você entrou pela janela aberta. A janela que eu (esqueci?) deixei aberta! A janela incontrolável que chamamos sonho. Você com seus trejeitos de menina levada que não se contenta somente com lembranças, adentrou meu sonho e veio me visitar. Sorrindo flutuava sobre a minha cama. Levitava até próximo à Janela e voltava ao chão, ao meu lado, com aquele sorriso pálido que tem todas as pessoas quando são personagens de um sonho de alguém. Falava-me e não movia os lábios. Eu não conseguia ver os seus dentes. Mas sabia que eram brancos como o raiar de um dia quente de verão. Assim como são os dentes de todos os personagens que povoam os sonhos bons e inesquecíveis. Sorria sem sequer mover um músculo da face. Eu sabia que sorria porque eu também sentia o seu intimo prazer em estar ali a minha frente. E assim ficamos horas a fio sem sequer nos darmos conta que o tempo passava. Ou se existia tempo. E que isso tudo era apenas um lindo e bom sonho. Até que de repente percebi que não podia me mover, e nem tocá-la, nem tampouco mandá-la embora. Desejei intensa e profundamente que esse sonho se acabasse. Que tudo voltasse ao normal. Tentei acordar. GRITEI!!! Gritei, mas só intimamente porque meus lábios nem sequer se moveram. Rezei! Rezei com todas as forças para que alguém, qualquer pessoa viesse enfim me despertar deste sono tão profundo e desse sonho tão dominador. O tempo parecia estar pra sempre estagnado num mórbido silencio e o mundo imóvel ao redor de mim. O mundo! O mundo inteiro parado; Sol,Lua, Terra, todos os astros do universo e todos os átomos dentro de mim. Parado! Imóvel! E você flutuando, toda de branco, ali à minha frente, face de porcelana, desprendendo um calor tépido, um calor que me entristecia e me atemorizava. E que ao mesmo tempo me deixava feliz. Exalando um cheiro de jasmim. Às vezes, um cheiro assim meio agridoce que me causava náuseas. E o mundo inteiro parado que eu via através da janela aberta. Meu pensamento se transfigurava rapidamente, ora num filme calmo e sentimental nos moldes do "Casablanca", ora em ação rápida e alucinante feito um clássico de "Spielberg" nos seus melhores trabalhos. Finalmente então compreendi o quanto nós humanos somos frágeis e indefesos... Não serão somente cordas, correntes ou algemas que poderão nos prender; Nossa mente vai além da matéria e pode sufocar a nós mesmos, basta um sonho sem sentido. Finalmente entendi que somos pequenos demais ante a grandiosidade do destino, do nosso destino, que não passa de uma resposta do tempo aos atos que, insensíveis, praticamos. Acreditei que eu não havia esquecido aberta a janela do meu quarto, mas, a Janela dos Sonhos abria e fechava-se aquém do meu controle; E que a vida, a nossa vida, não passa de uma janela sempre aberta para a morte! E assustado acordei desse meu sonho. Assustado e feliz porque compreendi a verdadeira razão, o real sentido de nossa racionalidade... E os primeiros raios matutinos de Sol já aqueciam o meu quarto, através da janela aberta. Realmente, a janela do meu quarto estava aberta. Só não sei ainda, até hoje, se eu a deixei aberta ou a esqueci assim, como um doce acaso ao que o destino nos impele!
Segunda-Feira, 30 de Outubro de 2.000
Autor: Ciro di Verbena
(Josias da Silva)